sexta-feira, 20 de junho de 2008

SOMOS TODOS APRENDIZES - Lembranças da construção do Tratado de Educação Ambiental

Por Moema L. Viezzer
Coordenadora da equipe facilitadora do Tratado na Rio 92
Consultora de Educação Ambiental da Itaipu Binacional.


No contexto da Rio 92, a Educação Ambiental tornou-se tema em evidência graças a intervenções de educadoras e educadores ambientais do mundo inteiro e passou por diversas etapas. A intenção deste texto-testemunho é realizar um resgate inicial do que significou o processo que culminou com a aprovação do Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis, numa conversa informal com algumas das pessoas que viveram mais de perto este processo, integrando a comissão facilitadora do mesmo.

O primeiro momento a ser registrado é o da articulação das ONGs e Movimentos Sociais para o Fórum Global, paralelo à 2ª Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. No Brasil, o Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais Rio 92 inseriu, paulatinamente, entre os diversos temas escolhidos, o da Educação Ambiental. Por outro lado, por ocasião do Seminário que discorreu sobre o Futuro da Democracia em Gottemburg-Suécia em 1991, o Conselho Internacional de Educação de Adultos/ICAE, decidiu participar da Rio 92 através de seu Programa de Educação Ambiental junto ao Programa de Educação Ambiental do Conselho de Educação de Adultos para a América Latina, ambos então sediados no Brasil, com o apoio institucional da ONG Rede Mulher de Educação.
Uma “Carta de Educação Ambiental” foi o ponto de partida. A idéia inicial era convocar educadoras e educadores do mundo inteiro a trazerem sua mensagem para a Rio 92, tendo na educação ambiental um eixo articulador, paralelamente ao que poderia ocorrer em relação ao tema na Conferencia Oficial. Escrita em São Paulo por educadores e educadoras do país, teve a contribuição significativa do educador ambientalista venezuelano Omar Ovalles, que trouxe elementos para a reflexão latino-americana, principalmente sobre a “necessidade de manter a questão ambiental eixo para grade de leitura da realidade de nossos países e, a partir dela, traçar estratégias comuns sobre grandes temas latino-americanos tais como: educação para a paz, os direitos humanos, a integração, a destinação de resíduos, o cuidado da água, entre outros”. Isto fez o grupo inicial ampliar seu olhar e, na expressão de Nilo Diniz “vivenciar uma mediação inicial que significou uma primeira evolução do texto e abertura para o olhar latino americano, sendo que, deste ponto de partida até a redação final, passamos por várias mediações conceituais, políticas, pedagógicas e práticas, o que fez do Tratado uma verdadeira construção social”.

A evolução dos acontecimentos por ocasião dos Eventos das Comissões Preparatórias – os Prepcoms da Rio 92 com a participação das ONGs inscritas, fez emergir a idéia de “Tratados” das Organizações da Sociedade Civil que participariam da Conferência, dando mais visibilidade e consistência ao Fórum de ONGs e Movimentos Sociais, parte do Fórum Global.

A idéia básica subjacente a esta iniciativa poderia ser assim resumida: o futuro perfil da humanidade não pode ser desenhado apenas pelos diversos governos nacionais ou pelos mecanismos oficiais de concentração mundial hoje existentes. Assim, representantes de 1300 organizações não-governamentais (ONGs) com atuação em 108 países, cidadãos e cidadãs engajados no enfrentamento da crise ecológica que ameaça o planeta e da crise que condena à miséria a maioria das mulheres e dos homens, aceitaram o desafio de imaginar e propor alternativas à iniqüidade do modo de vida global em que, por exemplo, 20% da população habitante do hemisfério Norte consome 80% dos recursos planetários e agradece com a emissão de 75% da poluição ambiental.

Inscritos no Fórum Internacional de ONGs e Movimentos Sociais, realizado no Rio de Janeiro em junho de 1992, estes poucos milhares de ativistas podem hoje submeter à apreciação pública os produtos do maior consenso jamais alcançado pela sociedade civil planetária, traduzido em 36 planos de ação, aprovados em plenária e denominados tratados, reunidos em quatro grupos principais:
- tratados de cooperação;
- tratados econômicos;
- tratados sobre o meio ambiente;
- tratados sobre os movimentos sociais.

As ONGs e movimentos sociais reunidos no Fórum Internacional integrante do Fórum Global Rio 92 parecem ter descoberto melhores caminhos do que alguns acordos feitos na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento. Apesar de aprofundarem o reconhecimento de preocupações regionais diferenciadas, não permitiram que estas inviabilizassem compromissos amplamente consensuais, em aberto contraste com os acordos e convenções assinados pelos governos, que podem ser considerados tímidos quando cortejados com os desafios ambientais e sociais vistos em escala mundial.

Este relativo êxito pode ser visto como um prenúncio de sucesso futuro na construção de um forte movimento mundial de ONGs, movimentos sociais e organizações similares empenhadas na criação e no desenvolvimento de novos padrões de eqüidade, participação e desenvolvimento sustentável para o planeta.

Na química da futura cooperação, serão ingredientes essenciais à amizade e à confiança desenvolvidas nas reuniões de negociação, a tolerância - que ensejou novas percepções - e as confessadas mudanças de posições por parte de diversas ONGs na compreensão dos mecanismos de integração entre o meio ambiente e o processo de desenvolvimento.

A saudável desconfiança, tradicional na comunidade de ONGs quanto à centralização do poder e do processo de tomada de decisões, não constitui obstáculo para o atendimento e o reconhecimento da necessidade da ação comum como condição de eficácia nas intervenções globais. A realização do Fórum Internacional no contexto do Fórum Global Rio 92 consagra, por si só, os méritos e as possibilidades desse trabalho conjunto.

Melhor organizados no plano internacional, as ONGs e movimentos sociais buscam agora manter viva e tornar eficaz a letra dos tratados aprovados, posto que sua ação, junto com os grupos comunitários e os cidadãos e cidadãs de todos os países, constitui uma esperança de um futuro sustentável.

- Tratado sobre Banco de Tecnologia
- Compromisso Ético das ONGs para uma Atitude e Conduta Ecológica Global
- Tratado de Cooperação e Partilha de Recursos entre ONGs
- Tratado Base sobre as Decisões Globais das ONGs
- Tratado sobre a Pobreza
- Tratado sobre Consumo e Estilo de Vida
- Tratado dos Povos das Américas
- Tratado de Comunicação, Informação, Meios de Comunicação e Redes
- Tratado de Modelos Econômicos Alternativos
- Tratado sobre Empresas Transnacionais (ETNs):
Regulamentação Democrática de sua Conduta
- Tratado Alternativo sobre Comércio
- Tratado sobre a Dívida Externa
- Tratado sobre Corrupção e Desvio de Capital
- Acordo Alternativo sobre Mudança Climática
- Tratado das Florestas
- Compromisso dos Cidadãos em Relação à Biodiversidade
- Tratado sobre Energia
- Tratado sobre Oceanos
- Tratado para a Minimização das Alterações Físicas dos
Ecossistemas Marinhos
- Tratado de Proteção dos Mares contra as Mudanças
Atmosféricas Globais
- Tratado sobre Resíduos
- Tratado da Questão Nuclear
- Tratado sobre Agricultura Sustentável
- Tratado de Segurança Alimentar
- Tratado de Água Doce
- Tratado sobre Pesca
- Tratado sobre Cerrados
- Tratado sobre as Zonas Áridas e Semi-Áridas
- Tratado contra Racismo
- Tratado sobre o Militarismo, Meio Ambiente e Desenvolvimento
- Tratado em Defesa e Proteção das Crianças e dos Adolescentes
- Tratado da Juventude
- Tratado sobre População, Meio Ambiente e Desenvolvimento
- Tratado sobre a Questão Urbana
- Tratado entre Povos Indígenas e as ONGs
- Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global

O Tratado de Educação vem em último lugar na lista. E assim foi no processo de inclusão do mesmo no rol dos Tratados, como havia sido decidido pela coordenação do processo coletivo durante o IV PrepCom, realizado em Nova York em 1991. Muitas pessoas não entendiam como se podia pensar num Tratado com este tema. Outras, ao contrário, insistiam na importância de fazê-lo, principalmente porque este seria o Tratado com condições de ser o elo de ligação entre todos os demais, uma vez que a educação, a reciclagem, a renovação dos seres humanos era, em última instância, o que definia a possibilidade de aplicar os demais Tratados.

Foi uma aventura o processo de elaboração e aprovação, levando em conta as possibilidades e limitações das ONGS e Movimentos Sociais que tinham pouca prática de participação em eventos planetários como a Conferência da Rio 92. Mas foi uma experiência privilegiada, demonstrativa de que era possível redigir um documento em comum, a inúmeras mãos e inúmeras culturas diferenciadas.

O Tratado, assim como a carta que o antecedeu, circulou nos 5 continentes e foi objeto de seminários, oficinas, encontros em diversos países. Recebemos retornos do Brasil e de todos os demais países da América Latina, de países europeus como a Alemanha, Itália, França, Bélgica, Rússia, da Ásia e do Pacífico - como o Japão e a Austrália - dos Estados Unidos e Canadá. Havia depoimentos impressionantes vindos de lugares desconhecidos, querendo contribuir para a elaboração de um “pacto humano” que dissesse como queremos construir este planeta de agora em diante e qual é o compromisso para o novo milênio que nós queremos assumir.

A comissão que sistematizou o texto, para ser estudado e aprovado, procurou ao máximo ser fiel aos anseios expressos nas contribuições recebidas. Além da equipe brasileira e das instituições organizadoras, outras pessoas juntaram-se no Rio em uma comissão ad hoc para revisar o texto e dialogar intensamente. Seus depoimentos são bastante significativos sobre o que este texto significou.

A tenda n. 06, uma das maiores espalhadas na praia do Flamengo era a Tenda da Jornada Internacional de Educação Ambiental que acolhia o Tratado. Durante 05 dias, centenas de pessoas circulavam pela tenda cujas paredes haviam sido forradas com painéis de exemplos de “nossas próprias soluções”, trazidos pelas Faculdades Latino-americanas –FLACAM. Seminários, exposições, painéis, música, teatro sobre Educação Ambiental e, todas as tardes, leitura e diálogo sobre o texto preparado para o tratado, permitiram que, ao final, se chegasse a um texto aprovado em plenária em 04 idiomas e lançado nas ruas do Rio de Janeiro por ocasião da Marcha Final do Fórum Global, com a participação das 2 mil crianças da Escola de Samba Flor do Amanhã, projeto então dirigido por Joãozinho Trinta que se somou a esta iniciativa.

O Tratado de Educação Ambiental representou, sem dúvida, o início de um processo de se pensar a educação de forma holística e a partir da vida. Ele vem orientando pesquisas, seminários de debates e novos programas educacionais tanto na rede formal de ensino como em ONGs e movimentos sociais.

Para citar apenas um exemplo, descrevo brevemente o que ocorreu com o título do documento, onde cada palavra foi alvo de muita reflexão antes da aprovação. Tudo foi colocado “sobre a mesa” e tudo foi objeto de diálogo e, por vezes, de discussões acaloradas.

Tratado? O termo não era aceito por algumas pessoas porque, insistiam, jamais um trabalho de educação poderia ter, efetivamente, o efeito de um “Tratado” no rigor do termo. Para outros, apesar de nunca se chegar a conseqüências como O Tratado de Tordesilhas, por exemplo, que dividiu o continente latino-americano em 2 partes por uma decisão papal, a palavra “Tratado” era importante de ser mantida no contexto dos demais 35 “Tratados” redigidos pelas ONGs e Movimentos Sociais. Era, além disso, um termo muito significativo para representar o que ali fazíamos nós, educadoras e educadores para selar nossos acordos de cooperação internacional sobre o tema que era nosso: a Educação Ambiental.

Educação Ambiental? Por quê? Por que não só Educação? Várias ONGs do Norte insistiam em eliminar o termo “ambiental”, uma vez que toda e qualquer educação deve conter este elemento. Não era isso que pensava a maioria dos participantes do Sul, onde a questão ambiental ainda estava longe de ser um tema abordado e realmente trabalhado na transversalidade e era, efetivamente, símbolo da necessária mudança de relação entre países e hemisférios. Finalmente, principalmente pela insistência de latino-americanos e asiáticos manteve-se, propositalmente, o Título: Tratado de Educação Ambiental, para indicar o meio ambiente o foco de ações de aprendizagem transformadora.

Desenvolvimento Sustentável foi outro termo que evoluiu consideravelmente no título do Tratado. A primeira idéia - educação ambiental para o desenvolvimento sustentável e responsabilidade global foi fortemente questionada pelos que traziam dados concretos da realidade de seus países e do mundo, mostrando que o desenvolvimento – concebido como crescimento econômico conforme modelo atual, nunca poderá ser sustentável. “O que temos que pensar é no reordenamento da vida no planeta e não em crescimento, pois chegamos aos limites e, inclusive, extrapolamos os mesmos”, insistiam muitos. Após muitas contribuições, emergiu e foi aprovado o conceito de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis - no plural - , uma vez que não se pode contrapor um modelo hegemônico a outro modelo hegemônico global.

Finalmente, a expressão inicial e exclusiva de Responsabilidade Global proposta por alguns educadores do Norte – que insistiam na idéia de que “estamos todos no mesmo barco”, foi aceita somente após ter sido aprovada a concepção diversificada e plural de sociedades sustentáveis, pois a responsabilidade global não pode ser atribuída da mesma maneira a países, corporações e instituições que deterioram o mundo muito mais do que outros. “Se é que estamos no mesmo barco, diziam alguns, não estamos no mesmo andar”. “Não nos podem atribuir a todos a mesma responsabilidade daqueles que se apropriaram do planeta e pretendem conduzi-lo a seu modo”, comentavam outros.

Esta construção do título: Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global é bem ilustrativa do que foi a aprovação do Tratado item por item, ponto por ponto. Uma grande mesa de negociação. Marcos Sorrentino comenta: “Um documento comum, um pacto de Educação Ambiental não é consenso, ao contrário do que alguns educadores atribuem. É diálogo no conflito, é saber chegar onde é possível chegar com aquele grupo naquela hora. Aqui nós latino-americanos, aguerridos, lutadores, vindos de uma história de Educação Ambiental construída na resistência aos regimes autoritários, aos regimes militares deste continente, tínhamos uma visão diferente de ingleses, de norte americano e de outros lugares do planeta que vinham de práticas sociais diferentes... e tínhamos que conseguir encontrar um lugar comum, por vezes estranho ou não aceito por outros.

Chegamos ao ponto de fazer concessões. Por exemplo, a palavra ideologia e a palavra política na versão em inglês não consta. Por quê? No item em que dizíamos: "a educação ambiental é um ato político”, os ingleses e canadenses pediram que na versão deles não entrasse e, caso entrasse, não assinariam o Tratado, porque em seu país, se uma ONG usasse a palavra política não teria mais financiamento. Por outro lado, também os paquistaneses pediram que não entrasse esta expressão, porque podiam ser presos se eles compartilhassem de uma organização que assinava um Tratado que falasse que educação ambiental tinha conteúdo político. Então se caminhou para uma negociação onde tivemos um tratado elaborado e redigido por várias mãos, por muitas pessoas e acima de tudo importante para quem o escreveu e aprovou, em função da continuidade.
Isto não quer dizer que desejamos que a Educação Ambiental permaneça como uma colcha de retalhos, cada um fazendo um tipo de Educação Ambiental; é importante e necessário que nossas ações no sentido de nos autoeducar passem pela nossa capacidade de dialogar outros fazeres educacionais e ambientalistas para aprimorarmos a nossa capacidade de fazer Educação Ambiental, enquanto pessoa, grupo, coletivo. Mas passa também pela nossa capacidade de dialogar nesta diversidade, sem negligenciar a experiência que cada um tem em diferentes formas de Educação Ambiental e assim, construirmos coletivamente a perspectiva de Educação Ambiental para este país e planeta.
É evidente que o Tratado precisa ser aprimorado. E isto foi previsto e está escrito no primeiro parágrafo do mesmo. Mas de qualquer forma ele serve como uma referência política. E a comprovação de que é uma referência política eu tive a alguns anos quando a Educadora Ambiental Maria Villaverde, em Madri, uma professora universitária e escritora de renome na área de educação, falou que o tratado de Educação Ambiental foi “um divisor de águas” na história da Educação Ambiental.

Em termos de documentos internacionais, este documento, pela primeira vez, sintetiza a convergência das sínteses, que nós educadoras e educadores, nas ultimas décadas batalhamos para que acontecesse, às vezes até de forma não consciente. Às vezes muitos de nós atuam em Educação Ambiental dentro de uma perspectiva sócio-política, outros em uma perspectiva conservacionista, outros atuam em uma perspectiva ética de valores. Todas essas ações, isoladas em seu conjunto, tem uma síntese no Tratado de Educação Ambiental, que procura não menosprezar e nem desvalorizar nenhuma das contribuições, nenhuma das vertentes que fazem esse colorido que a gente presencia na historia da Educação Ambiental”. Ao que Rachel Trajber, atual Diretora da Coordenadoria de Educação Ambiental do MEC, acrescenta: “Ao requisitar o Tratado, ao compará-lo com tantos outros documentos publicados posteriomente, ao vê-lo republicado em múltiplas instâncias na Internet, em livros, no Pronea, verificamos que esta é e será uma referência permanente”.

A metodologia participativa com foco na aprendizagem através da ação articuladora marcou todas as pessoas que participaram do processo. “O tratado foi pioneiro na aprendizagem de construção coletiva de um documento global, feito com mãos e mentes de mais de 600 educadores e educadoras da sociedade civil de todo o mundo. “Em alguns momentos parecia que nunca conseguiríamos construir um texto que trouxesse o consenso e a essência da utopia dos povos do norte e do sul, do oriente e do ocidente; mas o tempo todo aprendemos a colocar os próprios princípios na pauta”, comenta Rachel Trajber.

Marta Benavides, educadora internacionalmente reconhecida por sua atuação na reconstrução de El Salvador após a guerra, acrescenta: “A maneira inclusiva como se trabalhou o Tratado através da participação das Comissões Preparatórias da ONU, que precederam a Cúpula da Terra na Rio 92, permitiu criar um processo para a participação de pessoas de todas as partes do mundo preocupadas por estas relações e responsabilidades”.

Trabalhamos por grupos e em diferentes idiomas, usando material preparado para promover a máxima participação e o diálogo, e assim chegar a um maior discernimento. Surgiram conflitos e contradições, mas buscou-se a maneira de promover a escuta, o diálogo e o discernimento dos vários temas, aspectos, preocupações. O resultado foi um tratado extenso e bastante completo, com passos a seguir para assegurar que sociedades/comunidades consigam viver de maneira sustentável e, a partir dali, conseguir cumprir com cidadania planetária e global, resultado deste viver consciente.

O processo foi muito educativo e criador de consciência. Conseguimos chegar à Jornada Internacional de Educação Ambiental da Rio 92 com o Tratado sistematizado, redigido e traduzido em quatro idiomas, produto da cooperação e participação da sociedade civil no contexto da Cúpula da terra, através de seus vários processos, sabiamente alimentados pela coordenação do processo.

Para Nilo Diniz, atual Diretor do Conama, “O Tratado pode ser visto como a construção social de um conceito de educação orientada para sociedades sustentáveis a partir de olhares educativos de todos os continentes. Daí, até o tratado aprovado na Jornada Internacional, observamos diversas mediações conceituais, políticas e de experiências diferenciadas”.

E continua: “É por isso que considero o Tratado resultado de uma construção social. Porque não foram apenas aportes técnicos que conformaram as propostas e princípios reunidos ali. Foram experiências socioculturais, convicções acumuladas por movimentos sociais, compromissos de educadores e educadoras e líderes na vivência com diferentes comunidades. A experiência do Tratado mostra o quanto é importante o processo de formulação de documentos como esse. Seria bom que o Tratado continuasse a ensejar movimentos e interações nacionais e internacionais e em diferentes sentidos. Por exemplo, verificando e/ou estimulando a aplicação de seus princípios em ações governamentais ou não governamentais em nível local, no contexto de políticas e programas socioambientais. A implementação da Agenda 21 local poderia ser um bom caso”.

Marcos Sorrentino acrescenta: “O Tratado tem também a virtude de ser estimulo para debates. A função dele é ser provocador, instigante, para que se produzam outros tratados, que cada escola tenha seu tratado, cada município produza o seu tratado, cada pedaço deste Planeta tenha seu próprio tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis de Responsabilidade Global”.

Neste espírito, Marta Benavides complementa: “o processo de desenvolvimento do Tratado serviu-me para desenvolver o conceito sustentabilidade como forma de educação sobre a consciência da cidadania planetária e da governabilidade global, na manifestação da paz sustentável como base da justiça social e a saúde do planeta e a forma de Ser Futuro Aqui e Agora, com capacidade de levar respeitosamente em consideração os processos naturais e criar sociedades fundamentadas no cultivo da comunidade. E isto nos leva a rever até nossa própria linguagem. Não é certo dizer, por exemplo: ‘nosso meio ambiente, nosso planeta, nossos recursos naturais, nossa terra’. Porque nada disso é nosso. Neste entendimento, sabemos que não podemos salvar o planeta, mas com as mudanças que nós, os humanos temos que fazer, em nossas práticas nas relações ser humano/ser humano, ser humano/natureza, salvamos possivelmente a possibilidade do ser humano continuar num planeta saudável e em paz.”

Esta re-edição do Tratado coincide com a realização do V Fórum Brasileiro de Educação Ambiental alimentado pela Rede Brasileira de Educação Ambiental/REBEA, ambos gestados no processo que antecedeu e seguiu a Rio 92. O Tratado, nestas instâncias tornou-se, juntamente com a Carta da Terra, pilar da Educação Ambiental em qualquer nível ou circunstância em que a mesma se realiza.

Só investimos naquilo que acreditamos. Os princípios do Tratado apontam claramente o norte. Finalmente, há que lembrar como uma verdadeira revolução em relação aos destinatários da Educação Ambiental, a mudança de eixo que trouxe o Plano de Ação do Tratado. Enquanto o foco do texto oficial da Conferência eram: “as crianças, os jovens, as mulheres e imigrantes...” e a insistência era na capacitação dos mesmos para a proteção do ambiente... no Tratado ficou evidente que “Todos Somos Aprendizes” e todos os Atores Sociais que interferem na qualidade do ambiente e de vida precisam reorientar seus valores e princípios em função da sustentabilidade e investir, então, na necessária aquisição de conhecimento sobre a realidade ambiental para criar consciência, atitudes, aptidões que permitam a necessária participação cidadã local e planetária.

Toledo, 20.10.2004.

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